Psicoterapia para doença de Parkinson

Diagnóstico médico, tratamento clínico e psicoterápico para a doença de Parkinson

Daniel Covolo Mazzo*

Pedro Yvo Adri Cezarino**

*Terapeuta e psicólogo clínico.

**Médico neurologista. Especialista em Neurologia pelo Departamento de Neuropsiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo.

Resumo: a Doença de Parkinson (DP) é um distúrbio neurológico crônico e progressivo que acomete 2 em cada 100 indivíduos acima dos 65 anos. Ela foi descrita pela primeira vez por James Parkinson, em 1817, em um trabalho chamado “An essay on the shaking palsy”; logo depois, a enfermidade foi nomeada em sua homenagem.1

A DP é uma doença de organização complexa, pois se dá por meio de uma variada gama de sinais e sintomas, caracterizadas pela deficiência de dopamina na região nigroestriatal, composta por células responsáveis pelos movimentos. Em geral, para o diagnóstico de uma síndrome parkinsoniana, é necessário apontar ao menos dois dos sinais a seguir: tremor de repouso; rigidez; lentificação dos movimentos; e alteração de equilíbrio.2

Como ocorre piora nos sintomas da DP quando a pessoa eleva seus índices de estresse, será abordada nesse artigo a questão de considerar a subjetividade do sujeito com olhar atencioso, proporcionando alívio psicológico para o paciente por meio da psicoterapia.

Diagnóstico: o diagnóstico da DP é clínico, realizado pelo neurologista por meio de anamnese cuidadosa e criteriosa, que avaliará os sinais da doença, como tremores de repouso, rigidez, bradicenesia e outros.

Por meio desses resultados e pela experiência clínica do neurologista, é possível fazer o diagnóstico; a partir daí, o profissional poderá prescrever drogas de primeira linha para o paciente, como levodopa, e complementar o tratamento medicamentoso com selegilina, se necessário.

Percebeu-se que a psicoterapia, bem como o acompanhamento fisioterápico, fonoaudiológico e nutricional, também contribui de maneira positiva e significativa para a qualidade de vida do paciente.

Conclusões: a DP é uma doença de ordem progressiva, que gera impactos negativos na qualidade de vida. A partir do diagnóstico, o paciente passa a tomar medicações e é encaminhado para tratamentos multidisciplinares. Neste artigo, será dado enfoque na questão psicológica.

Introdução

A Doença de Parkinson (DP) é uma enfermidade neurológica considerada neurodegenerativa e progressiva devido à presença de disfunção monoaminérgica e outras disfunções.

Segundo Braak et al. (2004),3 a DP foi definida por seis estágios evolutivos:

  • Estágio 1: acometimento do núcleo motor dorsal dos nervos glossofaríngeo e vago, incluindo a zona reticular intermediária e o núcleo olfatório anterior;
  • Estágio 2: comprometimento dos núcleos da rafe, complexo locus coeruleus e núcleo reticular gigantocelular;
  • Estágio 3: comprometimento da parte compacta da substância negra do mesencéfalo;
  • Estágios 4 e 5: comprometimento de regiões prosencéfalas, do mesocórtex temporal, áreas de associação do neocórtex e neocórtex pré-frontal;
  • Estágio 6: presença de corpos de Lewy nas estruturas límbicas, bem como no neocórtex, e sinais neuropsiquiátricos.

É importante frisar que, considerando-se esses estágios, percebe-se que na DP não ocorre somente o comprometimento do sistema dopaminérgico, mas também déficits colinérgicos, serotoninérgicos e noradrenérgicos. Por isso, a doença de Parkinson não é uma doença exclusivamente motora, caracterizando-se também por sintomas não motores, como distúrbios do sono, déficits cognitivos, depressão e outros. Isso ocorre pelo acometimento de outras áreas do cérebro.

A clássica forma de reconhecer a DP se dá pela disfunção do sistema nigroestriatal, com redução da dopamina nos receptores dopaminérgicos localizados nos gânglios da base e no corpo estriado. Essa característica está totalmente associada à presença de tremor, instabilidade postural, rigidez e lentificação dos movimentos.

A DP é predominante no sexo masculino (3 homens para 2 mulheres) e se inicia entre 55 e 70 anos de idade. Os casos hereditários da doença iniciam-se abaixo dos 45 anos de idade.

Diagnóstico

Como já comentado, o diagnóstico da DP é eminentemente clínico, realizado por exame no consultório pelo neurologista e também por anamnese e observação dos aspectos semiológicos, com ênfase na síndrome extrapiramidal, que é manifestada por tremor de repouso, sinal de roda dentada, rigidez, hipocinesia e perda de reflexo postural.4

A marcha lenta realizada por passos curtos, quando a pessoa acaba por arrastar os pés, também é um forte indicativo de DP. Outros sinais e sintomas também estão associados, como alteração da mímica facial e da caligrafia do paciente, além de algumas anormalidades posturais. Os sintomas não motores também estão inclusos em casos de alguns pacientes, como relatado anteriormente.

A combinação de dois dos quatro sintomas motores a seguir – rigidez, tremor de repouso, bradicinesia e redução de reflexos posturais – pode levar a um diagnóstico clinicamente seguro da DP. A resposta favorável com levodopa também é um diferencial para o diagnóstico da doença.

Tratamento

Nenhuma droga ainda é capaz de impedir a progressão da DP. Atualmente, a levodopa5 é uma droga de primeira linha para o tratamento da doença, que pode ser acompanhada de selegilina, que, por sua vez, pode atuar como coadjuvante no tratamento. Porém, são abordagens sintomáticas, isto é, têm a finalidade de atenuar o sofrimento do portador de DP.

O tratamento cirúrgico, como a estimulação cerebral profunda,6 pode ajudar a reduzir imediatamente os tremores, assim como as doses de levodopa.

Parte importante do tratamento diz respeito à atividade física exercida pelo paciente com auxílio de fisioterapeuta, que conduz o indivíduo para práticas que lhe proporcionam bem-estar e condicionamento físico adequado.

O tratamento fonoaudiológico também é muito expressivo para assegurar o controle da voz, propondo exercícios para que o paciente possa ter mais qualidade de vida.

O nutricionista também é um profissional de suma importância, pois a dieta do paciente deve ser saudável, com uma alimentação equilibrada entre frutas, legumes, cereais e carnes variadas. A psicoterapia também é fundamental, pois, como comentado, a DP também compromete a condição cognitiva e psicológica do paciente, apresentando sintomas como depressão e ansiedade, que serão discutidos a seguir.

Depressão e ansiedade na Doença de Parkinson

A depressão e a ansiedade podem ser muito prejudiciais para quem sofre de DP, comprometendo sobremaneira a melhora da qualidade de vida do paciente, impedindo-o de praticar atividades físicas para melhora clínica dos quadros motores. Essas condições desagradáveis fazem a pessoa não continuar com o tratamento adequado para a manutenção de sua saúde.

Com toda a certeza, a depressão e a ansiedade podem ser comuns após a maioria dos diagnósticos de doenças graves, crônicas ou degenerativas, mas, na DP, estes são sintomas que fazem parte da doença; isto é, como comentado, a situação dos neurotransmissores é comprometida, causando sintomas neuropsiquiátricos.

Por isso é imprescindível que o paciente se submeta à psicoterapia com profissional qualificado e que tenha também conhecimento sobre a DP. Assim, o profissional pode ajudar o paciente a ampliar sua consciência, tornando-o mais feliz e melhorando sua qualidade de vida, como comenta Irene Richard:

O diagnóstico de Parkinson, embora altere a vida, não é uma sentença de morte. Os sintomas mudarão com o tempo, assim como sua atitude; ninguém deve esperar, nem você mesmo, que isso seja fácil de lidar. Mas as pessoas com Parkinson e outras pessoas devem valorizar e aproveitar ao máximo todos os dias. Na melhor das hipóteses, o diagnóstico de Parkinson pode se tornar um alerta real: uma chance de reexaminar suas prioridades e se concentrar não no que você não pode fazer, mas no que pode”.7

Psicoterapia para quem sofre de Doença de Parkinson

Retomando ao que foi comentado, a DP causa um intrínseco desequilíbrio sináptico, não somente pelo neurotransmissor dopamina, mas também por meio de outros sistemas. Isso já corrobora para o comprometimento neuropsiquiátrico do paciente em questão, sendo que os sintomas podem ser variados, de distúrbios do sono a depressão e ansiedade ou outros sintomas, conforme já foi afirmado.

Logicamente, o paciente deve comentar a respeito de seus sintomas com seu neurologista para que se prescrevam outras drogas, se necessário, mas o tratamento psicoterápico, nesse caso, é importante para que o indivíduo tenha uma qualidade de vida melhor.

Distúrbios neuropsiquiátricos na DP refletem no paciente em profundos reflexos em sua subjetividade. Acompanhar o paciente com uma escuta atenciosa e acolhedora ajuda-o a se encontrar e proporciona a ele um pouco mais de tranquilidade, pois é muito peculiar de cada um o enfrentamento da doença e de suas questões existenciais. É essencial frisar que a DP interfere na subjetividade do sujeito, mas cada paciente também tem que lidar com seus sentimentos, suas emoções e sua própria existência particularmente, isto é, com suas questões quanto à vida profissional e biográfica. O paciente lida com uma subjetividade dupla: aquela manifestada pela DP e a das questões existenciais mais profundas do presente, passado e futuro.

Michelini (2005) relata que uma de suas pacientes “está cercada de pessoas e cuidados, mas não encontra com quem compartilhar seu sofrimento. Sentimentos de solidão, isolamento e desamparo são marcantes em seu discurso”. A autora afirma também que a paciente não é a única que experiencia esses sentimentos.8

De acordo com Winnicott (1965),9 o propósito de nossa existência é de se consolidar no mundo como sujeito e se desenvolver, sendo que Michelini faz uma associação exatamente oposta considerando sua paciente: “a doença rouba-lhe a criatividade, consome suas ilusões, esgota seus prazeres e a oprime em um corpo que se retrai.” A mente lúcida muitas vezes não consegue acompanhar a degeneração do corpo e acaba se perdendo. “A mente e o organismo são partes de um todo indissociável” (Berlinck, 1999).10

Uma maneira notável de se tratar o paciente portador da DP via psicoterapia é por meio do holding estipulado por Winnicott. Em termos psicológicos, holding tem relação intrínseca com “suporte”. Esse suporte acolhedor é muito importante para o paciente, como comenta Michelini (2005): “aceitei uma portadora de DP como paciente acreditando que poderia ser uma experiência importante para ambas. Enfrentaríamos juntas uma penosa realidade”.11 Esse método de se atender o paciente acelera e facilita o processo de maturação e vínculo entre duas pessoas.

É um caminho para que o psicoterapeuta acolha o portador de DP para que este, por sua vez, se sinta seguro e estável nos atendimentos semanais. Desse modo, aos poucos o paciente recupera sua segurança com a ajuda do psicoterapeuta, aliviando alguns sintomas clínicos e melhorando a qualidade de vida em geral, pois começa a ser desenvolvida a relação do paciente para com outros processos de tratamento, incentivando a prática de atividade física, alimentação, suporte fisioterápico e fonoaudiológico.

A psicoterapia é um tratamento imprescindível para o portador de DP, pois as reações emocionais e os sentimentos do paciente interferem diretamente no tremor, com consequente prejuízo para a qualidade de vida do paciente (Fugita & Gregório, 1988).12 “A tensão e o nervosismo influem diretamente na voz e na fala, assim como nos músculos da garganta, do pescoço e da face, que, ao se contraírem, limitam a vibração correta e livre das pregas vocais”, de acordo com o que afirma Grosmann (1988).13

Aí se destaca a importância do atendimento multidisciplinar para melhorar a qualidade de vida do paciente, para estabelecer uma relação mais empática com o portador da doença. Observa-se, em geral, que a “subjetividade do paciente pode permanecer em menor destaque em face da florescência dos sintomas físicos” (Michelini, 2005).14

Referências bibliográficas

  1. Moreira, C.S., Martins, K.F.C., Neri, V.C., & Araújo, P.G. (2007). Doença de Parkinson, como diagnosticar e tratar. Revista Científica da Faculdade de Medicina de Campos, 2 (2).
  2. Ferraz, H. B., & Borges, V. (2002). Como diagnosticar e tratar: Doença de Parkinson. Revista Brasileira de Medicina.
  3. Braak, H., Ghebremedhin, E., Rüb, U., Bratzke, H., & Del Tredici, K. (2004). Stages in the development of Parkinson’s disease-related pathology. Cell Tissue Res, 318(1), 121-34.
  4. Andrade, L. A. F., Barbosa, E. R, Cardoso, F., & Teive, H. A. G. (2014). Doença de Parkinson, estratégias atuais de tratamento. (4ª ed.). p. 17.
  5. Andrade, L. A. F., Barbosa, E. R, Cardoso, F., & Teive, H. A. G. (2014). Doença de Parkinson, estratégias atuais de tratamento. (4ª ed.). p. 57.
  6. Nasser, J. A., Falavigna, A., & Alaminos, A. (2002). Estimulação cerebral profunda no núcleo subtalâmico para doença de Parkinson. Arquivos de Neuropsiquiatria, 60(1), 86-90.
  7. Richard, I. Anxiety and depression with Parkinson’s Disease. Recuperado em 25 maio, 2015, de https://www.michaeljfox.org/understanding-parkinsons/living-with-pd/topic.php?emotions-depression
  8. Michelini, E. M. (2005). Uma vida que se esvai no Parkinson. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, VIII(1), 43.
  9. Winnicott, D. W. (1965). The Maturational Process and The Facilitating Environment. London: The Hogath Press.
  10. Berlink, M, T. (1999). A dor. São Paulo: Escuta.
  11. Michelini, E. M. (2005). Uma vida que se esvai no Parkinson. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, VIII(1), 41.
  12. Fugita, K. & Gregório, B. L. (1988). Neurofisiosogia para psicólogos. São Paulo: EPU.
  13. Grossmann, M. (1998). Com Parkinson e de bem com a vida: a experiência de uma parkinsoniana. São Paulo: Lemos Editorial.
  14. Michelini, E. M. (2005). Uma vida que se esvai no Parkinson. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, VIII(1), 46.

 

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Daniel Mazzo

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