Transtorno mental, o que pode levar um indivíduo a ter?

O que pode levar um indivíduo a um transtorno mental, os manuais diagnósticos e o caso John Nash

22 MAIO 2013.

Daniel Covolo Mazzo*

Rodrigo Mendes Brocchi*

Introdução

Mesmo nos dias de hoje, ainda existem muitas dúvidas em relação a doenças mentais. Isso leva as pessoas a relacionar um transtorno psicológico qualquer a mitos, agindo frente a ele com preconceitos e diferentes formas de discriminação. É importante frisar que quaisquer transtornos, sejam mentais ou físicos, incomodam o ser humano, e os mesmos devem receber tratamentos adequados para que o indivíduo possa sentir-se bem e ter qualidade de vida.

O objetivo desse artigo é explicar o que pode causar um transtorno mental, esclarecer alguns transtornos psicológicos, relacioná-los aos manuais diagnósticos existentes e também dar ênfase ao transtorno psicótico comentando uma cena do filme “Uma mente brilhante” (em inglês, A beautiful mind), um drama de grande sucesso mundial dirigido por Ron Howard, lançado em 2001 nos EUA pela Paramount Pictures.

O que pode causar transtornos mentais?

Entende-se que deve ocorrer um processo individual de investigação de si mesmo para considerar o que levou o transtorno a ser desenvolvido. As causas podem ser inúmeras, como características ambientais, genéticas, relacionamentos pessoais, nível socioeconômico (que pode ser um agente estressor), vizinhança, ruídos de comunicação no trabalho ou na residência, exaustão física ou mental, pressões interpessoais de todos os tipos etc.

Em primeiro lugar, cientistas do mundo todo têm realizado pesquisas para tentar entender por que essas questões afetam tão drasticamente a psique humana e como fazer para tratá-las. Logo, já existem várias técnicas e abordagens que efetivamente se mostram eficazes no tratamento de transtornos mentais.

Os tratamentos atuais para os transtornos mentais envolvem a clínica médica por intermédio do médico psiquiatra, que fará uma análise sobre se o paciente deve ou não fazer uso de medicação e acerca do relacionamento do paciente com o psicólogo. Esses tratamentos já estão interligados aos estudos das questões genéticas, da neuropsicologia e dos estudos de neuroimagem.1

Em regras gerais, a origem de um transtorno mental se dá por meio de um evento ou ambiente estressor. Por exemplo, muitas evidências neurobiológicas apontam que o mecanismo estressor, depois de abusos e maus-tratos na infância, altera o funcionamento do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, o que pode levar à depressão na idade adulta.2

Outro ponto importante é evidenciar a relação consistente entre o evento estressor e o início do transtorno.3 O maior desafio está no estudo da integralidade dos eventos e sua relação temporal. Para dar um bom exemplo, é possível citar uma pessoa que apresenta depressão leve e, por esse motivo, perde o emprego, posteriormente apresentando sintomas de depressão maior. Nesse caso, o que levou a pessoa a este quadro? Seria a depressão leve que evoluiria para depressão maior, ou esta última fora desencadeada pelo evento estressor “perda do emprego”? É uma questão que ainda não foi completamente elucidada e deve ser foco de pesquisas futuras.

Para completar, podem-se dar exemplos de dois transtornos mentais ocasionados por eventos estressores: o estresse pós-traumático e o transtorno do pânico. Um exemplo clássico de desenvolvimento de estresse pós-traumático pode ser um episódio de um “sequestro relâmpago”, por exemplo, em que a vítima sofre fortes impactos psicológicos e, logo após o evento ou algum tempo depois dele, começa e desenvolver sintomas psicológicos e até mesmo sintomas físicos. Uma forte turbulência em uma aeronave, por exemplo, pode dar “gatilho” para o transtorno do pânico. Estas questões são claras, porém é difícil entender por que algumas pessoas podem desenvolver um determinado transtorno em virtude de um evento traumático e outras não.

Transtorno mental e os Manuais Diagnósticos

O Manual Diagnóstico foi elaborado pela American Psychiatric Association (APA) na década de 1960, com o intuito de classificar as doenças mentais em categorias diagnósticas, facilitar a comunicação entre os profissionais de saúde, localizar com mais facilidade as patologias e poder tratar o doente de maneira mais integrada.

Atualmente, nos serviços de saúde, estão sendo utilizados o Manual Diagnóstico e Estatístico de Desordens Mentais (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders – DSM) e a Classificação Internacional de Doenças (CID).

As ciências médicas e psicológicas começaram a dar mais atenção ao Manual Diagnóstico a partir da terceira edição (DSM-III), na qual se utilizou a forma fenomenológica de descrição das doenças, que indicava uma postura mais íntegra, sem conotações etiológicas ou explicativas, sobre as doenças mentais.

O manual restringiu-se exclusivamente a descrever os sintomas e agrupá-los em síndromes. Portanto, essa forma de descrição no DSM-III garantiu avanços enormes na psiquiatria e psicologia. Com esse modo de trabalhar, profissionais de várias regiões diferentes conseguiram chegar ao mesmo diagnóstico, o que era uma tarefa mais difícil durante o período de vigência dos manuais anteriores.

Isso possibilitou uma precisão maior em relação às pesquisas da área, prognósticos muito mais previsíveis e tratamentos mais eficazes. Sendo assim, a Organização Mundial da Saúde (OMS) acrescentou informações à CID-10 (Classificação Internacional de Doenças) e ao DSM-III, promovendo-o para DSM-IV. Em maio de 2013, a APA lançou o DSM-V, outra atualização do DSM-IV.5

O DSM é um sistema de classificação que organiza cada diagnóstico psiquiátrico em seções, relacionando nelas distúrbios, transtornos, perturbações e disfunções. Esse manual é seguido por todos os profissionais da área de saúde mental. Várias desordens foram acrescidas no DSM-V, entre elas distúrbios neurocognitivos leves, vícios em jogos, subtipos de depressões etc.

Considerações e comentários sobre o filme “Uma mente brilhante”

John Nash foi um profissional notável; muitos físicos e matemáticos atuais o consideram um matemático com o “porte” de Albert Einstein. Ganhou o Prêmio Nobel de Matemática de 1994 e ficou mundialmente conhecido quando sua vida foi apresentada no filme “Uma mente brilhante” (Título original: A beautiful mind).

Na trama, Nash mostrou-se um indivíduo absolutamente inteligente e com capacidades criativas ímpares. Contudo, o que atrapalhava sua qualidade de vida eram suas crises de agitação e sintomas de psicose. Quando foi internado, Nash mostrava-se muito agitado e encontrava respostas bizarras através dos textos da primeira página do jornal The New York Times, acreditando estar “decodificando” algo. Ele acreditava com veemência em conspirações estrangeiras, que estava sendo perseguido pelo FBI e que homens de terno e chapéu o espionavam. Tentava escrever cartas sem sentido algum, demonstrando reconhecimento de seus poderes.6

Em resumo, considerando-se o DSM-IV (2002)7 e a CID-10 (1993),8 o diagnóstico de John Nash aponta para esquizofrenia. Segundo Martins (2004), a esquizofrenia não é a única doença mental diagnosticada em Nash, podendo existir outras associadas, como episódios distintos de psicose e alterações de humor, delírios de grandiosidade e, talvez, um transtorno esquizoafetivo, podendo, ainda, haver um questionamento de qual tipo de esquizofrenia Nash sofria.9

RESULTADOS: os diagnósticos obtidos segundo Martins (2004) foram esquizofrenia (DSM-IV) e esquizofrenia indiferenciada (CID-10). Outra simulação apresentou os diagnósticos de transtorno esquizoafetivo tipo bipolar (DSM-IV) e transtorno esquizoafetivo tipo maníaco (CID-10).9

Comentário a respeito de uma cena do filme

É interessante comentar algo que deixa o leigo intrigado e com medo: durante a internação de Nash, ele foi submetido a “terapias de eletrochoque”. No período em que ele foi submetido ao tratamento, a medicina estava em processo de aprimoramento em relação a isso. Em 1959, iniciou-se o uso de anestesia durante o procedimento. Na década de 1970, a técnica foi melhorada com o desenvolvimento de equipamentos mais sofisticados, que viabilizam um controle absoluto de carga fornecida, oxigenação, relaxamento muscular e monitoramento detalhado das funções vitais, sempre realizado em ambiente hospitalar.10

Atualmente, a terapia de eletrochoque é conhecida como “eletroconvulsoterapia”, popularmente chamada de ECT. O objetivo dela é promover uma estimulação elétrica no cérebro com a finalidade de induzir uma crise convulsiva, que dura em torno de 30 segundos, mas que já é suficiente para aliviar os sintomas das doenças. O tratamento é realizado em sessões, cujo número varia de acordo com a recomendação do psiquiatra.10 Em regras gerais, a ECT é muito utilizada para tratar vários tipos de depressões refratárias às medicações. Em alguns casos, a ECT é empregada para tratar outras doenças, como a de Nash.

Observa-se que Nash sofreu com delírios e alucinações mesmo utilizando-se de medicações; com o tempo, ele foi aprendendo a administrar a diferença do que era real e irreal. Diante dessas limitações farmacológicas, muitos médicos acabam optando pelo uso da ECT. As evidências científicas atuais indicam que a ECT de curto prazo, quando combinada a antipsicóticos, pode determinar melhora global em pacientes com esquizofrenia.11 Pode, ainda, ser usada de primeira escolha em casos de pessoas que sofrem de doenças mentais e apresentam efeitos colaterais e intolerância a alguns psicofármacos. Nesses casos, é mais seguro e preferível evitar os medicamentos e substitui-los pela ECT.12,13

A ECT é efetiva para o tratamento de exacerbações psicóticas na esquizofrenia, mesmo em pacientes crônicos, já que existem relatos de resposta positiva em até 20% dos casos.11,12 Alguns autores recomendam que a ECT de manutenção deve ser administrada por no mínimo seis meses após a indução da remissão para prevenir recaídas.13

Alguns autores atestam que é mais viável fazer uso combinado de ECT com antipsicóticos em pacientes que responderam bem ao início do tratamento com a ECT. Nesses casos, percebeu-se que esse tipo de tratamento é superior e beneficia mais os pacientes do que tratá-los isoladamente com psicofármacos.14

De qualquer maneira, a ECT, que foi apresentada no filme e é utilizada até hoje, ainda é pouco utilizada devido à visão negativa e estigmatizante sobre essa técnica por parte do público leigo. Assim sendo, este tratamento é substituído por outros que são considerados “menos agressivos”.15

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* Psicólogos clínicos.

Referências bibliográficas

1. Meyer-Linderberg, A., & Weinberger, D. R. (2006). Intermediate phenotypes and genetic; mechanisms of psychiatric disorders. Nat Ver Neurosci, 7(10), 818-27.
2. Gunnar, M., & Quevedo, K. (2007). The neurobiology of stress and development. Annu Rev Psychol, 58, 145-73.
3. Rutter, M. (2009). Epidemiological methods to tackle causal questions. Int J Epidemiol, 38(1), 3-6.
4. Portal Psicosite. Recuperado em 25 abril, 2013, de
5. American Psychiatric Association. Recuperado em 10 maio, 2013, de www.psych.org.
6. Grazer, B., & Howard, R. (Produtores) & Howard, R. (Diretor). (2001). A Beautiful Mind [DVD]. Estados Unidos; Paramount Pictures.
7. Psiquiatria, Americana de Psiquiatria. (2002). Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais — DSM-IV-TR™ (C. 8.Dornelles, Trad.). (4ª ed.). Porto Alegre: Artmed.
9. Saúde, Mundial da Saúde. (1993). Classificação de transtornos mentais e de comportamento da CID-10: descrições clínicas e diretrizes diagnósticas do transtorno mental. (D. Caetano, Trad.). Porto Alegre: Artes Médicas.
10. Martins, C. D., GilII, A., de Abreu, III P. S. B., & Lobato, M. I. (2004). Humor e psicose em esquizofrenia: explorando fronteiras diagnósticas com o Inventário de Critérios Operacionais para Doenças Psicóticas (OPCRIT), transtono mental e o caso John Nash. Rev Psiquiatr Rio Gd Sul, 26(2).
11. Instituto de Pesquisas Avançadas em Neuroestimulação. Eletroconvulsoterapia – ECT. Recuperado em 10 maio, 2013, de ipan.med.br/ect.php.
12. Tharyan, P., & Adams, C. E. (2005). Electroconvulsive therapy for schizophrenia. The Cochrane Database of Systematic Reviews, 2: CD000076.
13. Association, Psychiatric Association. (2001). The practice of ECT: recommendations for treatment, training and privileging. Washington, DC: American Psychiatric Press Inc..
14. Neves, M. de C., Kummer, A., Luciano, L. M., Lauar, H., SalgadoI, J. V., Nicolato, R., & Teixeira, A. T. (2006). Hepatotoxicidade grave secundária a psicofármacos e indicação de eletroconvulsoterapia a paciente com esquizofrenia. Jornal Bras Psiquiatria, 55(1).
15. Weiner, R. D. Treatment optimization with ECT. (1994). Psychopharmacology Bull, 30, 313-20.
Fleck, M., Schestasky, S., & Lima, A. F. B. S. (1998). Desenvolvimento de rotinas para a prática de eletroconvulsoterapia no Hospital das Clínicas de Porto Alegre. J Bras Psiquiatr, 47, 465-8.

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Daniel Mazzo

Psicólogo & Palestrante 

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